momentos

 
Não, não é cansaço…

Não, não é cansaço…
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar.
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo…
Não, cansaço não é…
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
 
Álvaro de Campos

 

 

 

o clima pós intervenção americano no Iraque

noticia de Última Hora.
 
                                         Iraque: pânico causa 635 mortos em Bagdad
 

contos de Álvaro de Oliveira – 4

do livro Os Dias Imprecisos

 

 Ao Lado da Pedra

 

       Uma tarde moída a atestar outonos, o sonho fustigado pela chuva gorda, a inquietação das mãos rente às giestas da escrita, o cenário acomodado ao olhar e Sebastião, sentado à lareira, apreciava as formas mágicas do fogo, as nítidas cores do fogo, e procurava assentar o pen­samento ao alinhavar, nesse entardecer, o espaço invisível dos insectos e admirar a áspera cor da pedra. A espantosa rigidez da pedra!

        – Serve muito bem, Trine.

        Na véspera, mediu o círculo do cubículo, esse pequeno espaço que um dia elegeu como única morada de opção, e ali, agora abrigado da chuva e do vento, ouvindo Beethoven e os outros compositores clássicos, vai rompendo o rosto aos fins de tarde e inícios de noite, longe dos amigos, se amigos dele alguma vez o foram.

        – Amigos, Trine? Coisa nenhuma. Impostores é o que eles são.

        Trine, o velho cão que herdara da avó, e que, perdido de sono, lá ia arrebitando a orelha e agitando a cauda, nem uma nem duas.

       Sebastião continuava a medir. A mesa ao meio, as pernas dos bancos, o comprimento que vai da porta interior ao canto do armário mais alto e viu, pela ínfima nesga de luar, desaparecer o rosto, a sombra do seu rosto estampada na pedra, pela entrada repentina da noite. E só a luz, a exígua luz de uma candeia pendurada no perf1l de uma viga escurecida que vai de parede a parede, perpassava a janela virada a sul por onde, mais tarde, ouvira o choro prolongado dos gatos a desafiar a atenção de Trine. E nada se opunha à trémula mortalha que os lábios de Sebastião enrolavam na construção artesanal de um cigarro. Nem a noite que passava devagar por entre a gasta pedra, nem a hora feliz de solidão.

      Ele está consciente que as manhãs são feitas de ilusões e de des­manchos. E os sonhos, esses pássaros rebeldes, são como sopros de vento: de súbito, desaparecem.

      Uma névoa profunda e efémera faz dissipar outros fragmentos de razão, outrora, quando decidiu separar-se da sociedade que diz absolutamente hipócrita, friamente injusta e exageradamente interes­seira e procurava, agora isolado a gerir silêncios e ausências, constituir num derradeiro visionar de imagens, o exacto retrato de um sacana rotulado de escritor e de poeta (ó, estranha e ridícula duplicidade!) que se fazia amigo e, um dia, vá-se lá saber porquê, o agredira cinicamente com insultos e pontapés.

      E Sebastião murmurava no entretanto de duas argolas de fumo que atirava para o ar.

      – Estes gajos não nos poupam…

      Procurava dar voltas à memória neste inútil naco de tempo, e o gajo que fosse lamber trampa para outro lado, porque só o sonho e este outro lado da vida onde só a loucura, a sua estimada loucura para a invenção das palavras ainda permanece. E dele não poderá dissociar­-se Trine nem aquela cor de musgo sobre a pedra das paredes, sequer esta noite que passa na graça de desfolhar esperanças geometricamente perfeitas, o desejo dos espaços íntimos do casebre onde a poesia faz a sua sublime aparição, mais o pequeno transístor, sintonizado na RDP antena dois, que lhe oferece muito suavemente as Quatro Estações de Vivaldi. Neste instante, o Inverno.

      Tomou o café, o café que tem a tez da sua pele, e fez correr a polpa dos dedos pela barba que lhe enche as faces do rosto, depois as mãos pelo cabelo crespo e voltou a falar para Trine num murmúrio enleado por uma lufada de fumo de outro cigarro que momentos antes acendera.

      – É isso… os gajos não nos poupam.

      Num leve gemido, vê-se que o cão o entende. E fácil é adivinhar que já lhe conhece os gestos e o olhar. E Trine estava ali deitado em curva sobre a sua velha manta de agasalho, sem esboçar um latido e, por fim, adormeceu num misto de paz e de cansaço, enquanto Sebas­tião iniciava, a um ritmo de beleza interior, o emaranhado jogo no arco das palavras imutáveis, rigorosamente expostas no simples retalho de papel que antes embrulhara o pão. Depois, leu pausadamente:

 

      "aos ombros da noite as mãos tomam a luz / dobrada sobre o eixo das palavras / o   resgate que já foi dos dias incontáveis"

 

      Um leve trepidar de chuva, a voz branda do vento a fustigar a giesta e uma inquestionável vontade de escrever agora sobre a pedra, os olhos atirados à candeia de petróleo e outra vez o cigarro que arde entre dois dedos a preencher os instantes que ora passam a desbravar ausências no primeiro patamar da noite.

      As horas avançam frias sobre o lajedo. E Sebastião, dobrado também ele "sobre o eixo das palavras", enrola-se na manta azul e deixa-se adormecer ao lado de Trine, ao lado da noite, ao lado do lume, com um poema registado em cada mão.

 

 

 

coincidências ou não

Fisco deixa caducar imposto de 800 mil euros.
 
 
O Sr. Presidente da Vodafone, António Carrapatoso, esqueceu-se de pagar os impostos.
Nada de significante. Uma bagatela de 800 mil euros que vinha do ano esquecido de 2000. Acontece a qualquer um, esquecer-se. E tratando-se de 800 mil euros, pode mesmo, acontecer a qualquer um.
 
Também aconteceu à repartição de finanças de Paço de Arcos. Esqueceu-se de notificar o contribuinte. Mas em 15 de Dezembro de 2004, repentinamente, a 15 dias da caducidade do imposto, alguém se lembrou. Não há problemas, teria dito alguém, ainda ía a tempo. Afinal, 15 dias para notificar um contribuinte e impedir a caducidade é muito tempo. Só eram precisos 5 minutos, nem mais. Era o tempo da deslocação a casa do Sr. António Carrapatoso. Ou então, enviar pelo correio, havia tempo, ainda faltavam 15 dias.
 
Azar! O homem do Compromisso Portugal, tinha acabado de mudar de domicilio fiscal em fins de 2004 e não pôde ser notificado.
 
Há coincidências extrordinárias!
 
Por razões não apuradas o Sr. Presidente da Vodafone, acabou por não ser notificado, apesar de o processo ainda ter dado entrada no dia 16 de Dezembro, no seu novo bairro fiscal, com a indicação de urgente.
 
E assim, face à lei geral tributária (art.45) e porque o contribuinte não foi notificado, caducou a divida.
 
O Sr. António Carrapatoso, cumpriu os procedimentos legais, não há dúvidas, ele pode mudar de residência quando bem lhe apetecer, mas, que tudo isto é demasiado coincidente é. E estranho, também.
 
 São 800 mil euros que se foram dos cofres do Estado. Há que apurar responsabilidades aos serviços envolvidos e não deixa de ser estranho, repito, que estejam envolvidas pessoas desta responsabilidade, isso não.
 
 
 

interrogações

 
É possível ser-se de esquerda e simultâneamente, racista e/ou xenófobo?
  
A minha resposta é não. Alguma coisa não bate certo.
 

Utopia

Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria

Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?

José Afonso

 

agora vamos ao que interessa sim (2)

a função pública nos últimos 3 anos, retidos na minha fraca memória.

  • congelaram os vencimentos acima dos 1000 euros em 2002 e em 2003
  • alterararam a fórmula de calculo da reforma em 2004, reduzindo em 10% o valor da reforma
  • aumentaram a idade da reforma para os 65 anos
  • congelaram as progressões
  • buliram na protecção social

E o que de importante há a fazer, nada, ou quase nada.

  • atacar com eficácia a fuga e a fraude fiscal, a corrupção e tráfico ilegal, abrindo o segredo bancário,
  • tributar as grandes fortunas,
  • fiscalizar a economia paralela,
  • combater as falências fraudulentas,
  • melhorar os meios humanos e informáticos para cruzar dados,
  • investigar sinais de riqueza,
  • auditar toda a máquina do Estado, serviço a serviço, departamento a departamento,
  • verificar méritos e necessidades, arrumar inutilidades e desperdicios, combater a burocracia,
  • acabar com as reformas douradas dos admnistradores públicos  ao fim de seis anos,
  • acabar com a procissão de consultores, adjuntos, avençados, que devoram o Estado,
  • acabar antes do termo, com a troca de gestores, de admnistradores públicos por motivos politico/partidários e com a cambada de assessores, que arrastam atrás de si grandes indemnizações,
  • renovar o quadro de pessoal, os equipamentos, dotar de meios tenológicos apropriados os serviços, melhorar as condições de trabalho
  • e tantas outras coisas.

Mas o caminho aberto é sempre o do ataque aos direitos dos trabalhadores, como se tudo fossem regalias e direitos previligiados. Como se não tivessem o direito de ter uma qualidade de vida digna. Não há reforma e mudanças a sério, se os trabalhadores, todos os trabalhadores, não contarem. E enquanto se verificar que a partilha das dificuldades, cai sempre para o mesmo lado.

 

 

 

uma história de derrota

o artigo de Joana Amaral Dias no DN de hoje.
 
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Arrasada a justificação para a invasão do Iraque (a existência de armas de destruição maciça), os apoiantes desta guerra agarraram-se ao argumento da democratização do Iraque. E passam o tempo a comemorar supostas vitórias. Bush faz discursos espaventosos, dizendo invariavelmente que o momento "ficará para a história". Foi assim quando derrubaram a estátua de Saddam, quando o original foi preso, quando dedos roxos fizeram as capas dos jornais. É assim agora, com a aprovação da Constituição pelo parlamento iraquiano.

É sempre assim porque a guerra no Iraque é um atoleiro e Bush enfrenta agora a maior oposição de sempre a dos próprios norte-americanos, que, mais do que nunca, desaprovam esta guerra. O timing para o protesto de Cindy Sheehan, mãe de um soldado morto, foi exacto. Por isso mesmo teve tanto impacto. E por isso tem sido tão atacada. Do mesmo modo, Pat Robertson, importante elemento da direita cristã nos EUA, dizendo que o assassínio de Hugo Chávez é melhor do que outra guerra de biliões de dólares, revelou o radicalismo desta ala política tanto como evidenciou a hesitação da mesma perante o Iraque.

Mas a catástrofe tem outros motivos o aumento da insurreição, a inexistência de uma estratégia militar, a ausência de um plano de retirada, a ilusão da reconstrução do país, o agravamento das tensões interétnicas. O Iraque não se tornou numa armadilha para apanhar terroristas, como pretendia a Administração norte-americana (e já dispenso de dissertar sobre se algum país gostava dessa alcunha), mas sim num campo de treino. Inversamente, as dificuldades no recrutamento militar nos EUA agravam-se. De tal forma que a Leo Burnett, conhecida agência publicitária, recebeu 350 milhões de dólares para conceber uma campanha de recrutamento que evite qualquer menção ao Iraque.

Bush clama vitória em cada farsa. Perante o desastre, sem política, sem diplomacia e sem militares, resta-lhe a publicidade.

Ao catálogo de falhanços soma-se a Constituição, que Bush apressou. Num país lotado de desemprego e guerra, o parlamento iraquiano conseguiu a proeza de aprová-la em três meses. Não sei se passará a constar do Livro de Recordes, mas merecia.

Nem sequer vale a pena mencionar o atabalhoamento democrático deste processo. A Constituição faz da lei islâmica a principal fonte legislativa do país. Tem dramáticas consequências para os direitos humanos e para os direitos das mulheres. Além disso, desde o 11 de Setembro, martelam-nos com o argumento de que o combate ao terrorismo se faz, em grande medida, pelo secularismo. Na passada semana, Blair levou esta ideia ao limite e foi aprovada uma lista de comportamentos inaceitáveis. O radicalismo islâmico passa a dar direito à deportação de cidadãos estrangeiros residentes no país (a serem enviados para países onde a tortura é habitual para obtenção de confissões). A lista é tão rígida que atenta contra a liberdade de expressão. Depois de tudo isto, Bush suporta um Estado islâmico. Não é esquizofrenizante. É ego, apenas.

O calendário para a Constituição não foi imposto tendo como objectivos a democracia, um acordo justo entre xiitas, curdos e sunitas, o secularismo e os garantes de desenvolvimento do país. Pelo contrário. O texto reforça o descontentamento dos sunitas, potencia mais insurgência e a possibilidade de uma guerra civil. Ou mesmo de uma guerra regional. Apoiar um Estado cliente do Irão, lançar uma eficiente semente para sanguinários confrontos étnicos e para disputas sobre a produção petrolífera, não serve os interesses iraquianos. Nem os americanos. Muito menos os interesses securitários. Serve apenas os propósitos de Bush, desesperado para recuperar a sua popularidade em casa.

Se o argumento das armas de destruição maciça há muito que foi a sepultar, o da democratização no Iraque segue o mesmo destino. Terminará com um Estado islâmico ou com uma guerra civil. Ou com ambos. Sobra a imagem do Presidente, a propaganda e as comemorações idiotas. É para isto que morrem iraquianos e americanos. É contra isto que protesta Cindy Sheehan. E ficará para a História, sem dúvida. A vitória é que não.

apresentação candidaturas do Bloco de Esquerda

No dia 27 de Agosto, o Bloco de Esquerda levou a cabo a apresentação de algumas das candidaturas autárquicas no distrito de Viana do Castelo. Com a presença de Pedro Soares, coordenador nacional autárquico do Bloco de Esquerda, foram apresentadas as candidaturas autárquicas nos concelhos de Caminha, Melgaço e Viana do Castelo.

 No concelho de Melgaço, o Bloco de Esquerda apresenta listas à Assembleia Municipal e à Assembleia de Freguesia da Vila. 

No Auditório das Piscinas, Eduardo Lourenço, cabeça-de-lista à Assembleia Municipal enunciou que concorre para combater os poderes instalados na Câmara Municipal de Melgaço, que condicionam a livre expressão das populações, muitas delas dependentes de empregos e contratos com a Câmara Municipal. Eduardo Lourenço, que foi militante do PS, caracterizou o clima que impera no concelho de Melgaço não como socialismo mas como solheirismo, em referência ao Presidente da Câmara e líder da distrital do PS e considerou que a eleição de membros do Bloco de Esquerda para a Assembleia Municipal é importante para se relançar o debate sobre a democracia no concelho e para existir uma voz que não esteja dependente do executivo municipal. Júlio Duarte, cabeça-de-lista à Assembleia de Freguesia da Vila, fez a apresentação de parte das medidas que entende ser necessárias à melhoria da qualidade de vida dos habitantes da vila de Melgaço. Júlio exigiu uma maior transparência na vida autárquica e no relacionamento com os munícipes, designadamente no licenciamento ou não licenciamento de construções.

 Em Caminha, o Bloco de Esquerda concorre à Câmara e Assembleia Municipal.

A apresentação das candidaturas decorreu no Auditório da Biblioteca Municipal, contando com a presença de inúmeros caminhenses.

Elizabete Cravo, Técnica Superiora da Função Pública, encabeça a lista do Bloco de Esquerda, à Assembleia Municipal num concelho onde o apelo ao voto útil vai ser muito forte. E foi precisamente o facto de durante mais de vinte anos ter votado útil que a levou a reflectir que esses votos não tiveram qualquer efeito na melhoria das condições de vida dos portugueses em geral e dos caminhenses em particular que sentiu que era a hora de dizer basta e de votar de acordo com a sua consciência.

Elisabete Cravo que se definiu como uma mulher frontal, que diz o que pensa e que não faz da reserva mental uma arma política, afirmou ter-se disponibilizado para integrar as listas do Bloco de Esquerda por entender que a forma de actuar do Bloco e dos seus representantes é aquela que mais se coaduna com a sua forma de ser, referindo mesmo o sentimento que tinha quando lia alguns dos textos ou comunicados do Bloco de Esquerda ou dos seus aderentes, sentimento esse que era no sentido de que era aquilo que também ela queria dizer ou que sentia. Por isso considerou que sua participação nas listas é o assumir plenamente uma corrente política que se tem diferenciado no panorama político português pela sua frontalidade e pela sua energia no combate ao continuismo.

Sebastião Torres, cabeça-de-lista à Câmara Municipal de Caminha, enunciou alguns dos temas fortes da sua campanha e que passam pela transparência, pela melhoria da qualidade de vida dos caminhenses, por políticas sociais e ainda pela alteração da Lei das Finanças Locais.

Em Viana do Castelo o Bloco de Esquerda concorre à Câmara e Assembleia Municipais e ainda a seis freguesias.

Perante uma vasta audiência que quase encheu uma das alas do Restaurante Camelo, em Viana do Castelo, os cabeças de lista do Bloco de Esquerda às várias autarquias foram sendo apresentados, cabendo a todos eles uma intervenção na qual expuseram os motivos da sua candidatura e também as razões que os levavam a candidatar-se pelo Bloco de Esquerda.

Luis Louro, cabeça-de-lista à Câmara Municipal, referiu que estas eram as eleições mais difíceis do Bloco em Viana do Castelo, pois os objectivos assumidos passam pela eleição de membros em todos os órgãos autárquicos, atendendo aos resultados eleitorais que o Bloco de Esquerda tem alcançado a nível concelhio e distrital.

Luís Louro, apelou ainda ao envolvimento de todos os presentes na campanha eleitoral, afirmando que todos tinham de se sentir candidatos do Bloco de Esquerda e que os resultados que viessem a ser alcançados não eram apenas dos cabeças-de-lista mas de todos aqueles que integram as listas do Bloco de Esquerda e que se identificam com o seu pensamento político.

Em todas as sessões de apresentação, Pedro Soares, coordenador nacional autárquico do Bloco de Esquerda, pôs a tónica no reforço da presença eleitoral do Bloco de Esquerda em relação às anteriores autárquicas, reforço esse que é o espelho da influência eleitoral e social do Bloco de Esquerda, que já não é um partido restrito a determinada faixa do território nacional ou de certo eleitorado, mas que passou já a ter um âmbito nacional, com candidaturas em muitos dos concelhos do interior do país.

Referiu também que estas eleições têm de ser um ponto de partida para a discussão e luta contra dois projectos do Partido socialista e do Partido Social Democrata que têm por finalidade o reforço do Bloco Central e assegurar que o poder passe a ser repartido por aqueles dois partidos.

Pedro Soares referia-se aos projectos de lei de alteração da Lei Eleitoral e à criação de círculos uninominais e à alteração da Lei das Autarquias Locais, com a criação dos municípios de um só partido.

Estas medidas, na opinião do Bloco de Esquerda, tendem a enfraquecer a democracia, a eliminar a influência dos partidos mais pequenos e são uma forma de perpetuação no poder dos interesses económicos instalados naqueles dois partidos.

Por tudo isso, Pedro Soares apelou à união de todos os Bloquistas em torno das candidaturas do Bloco de Esquerda e à sua participação nas acções de campanha eleitoral.

Pedro Soares referiu ainda a necessidade de se avançar com a regionalização do país, como forma de combater as assimetrias regionais e possibilitar a criação de meios que permitam respostas rápidas às necessidades das populações, designadamente, em situações como aquelas que recentemente se viveram em todo o país, no combate aos incêndios.

 

 

 

 

Contornos do sonho

(O amigo Álvaro, enviou-me mais este este excelente texto. Como eu gostaria de escrever assim!..)
 
   

A vivência deprimente de um sonho cerca-me imóvel até àquele instante exacto em que acordo. E, quando acordo, reparo que estou rodeado de inutilidades sem sentido. Ou pior, rodeado de armas e patifes, reis rancorosos e príncipes da nova vaga, que tomam os primeiros lugares na praça, servidos por duques e damas duma rafeirice cega que escolheram por destino obedecer… É aqui que descubro em dar-me a recordações assustadoras. Contudo, afasto medos e fantasmas dobrados em rumores de palavras que invento para me libertar das horas de maior inquietação e enfadonho. Então apercebo-me que nem todos os sonhos podem ser agradáveis. Como este de que agora saí quando sobrevoava os espaços terríficos destes reles citados que teimavam em levar as aves ao altar da morte. Acordei suavemente com as mãos ao longo do corpo que repousava sobre a cama, lavado pela espantosa respiração do orvalho que nascia na palma de cada mão. Foi a partir daqui que me habituei a albergar o sorriso que trazia de outros tempos, em sonhos de infância e, com eles, aprender a coabitar com a realidade em absurdo destempero quando os tanques de guerra avançam contra a humanidade. É este o pesadelo que me faz suar em noctívagas imagens que de mim logo procuro sacudir. 

E o lugar é manchado pelas sombras que ferem estes dias esculpidos a que me dou, e por eles me cruzo no longo movimento circular para me armar de palavras que sempre possuí no combate resgatado contra a miséria, contra os escarnecidos dias da fome, e contra o medo que gela os meninos que nascem por entre flocos de papel húmidos nos bairros marginalizados da cidade.

Outras vezes permaneço acordado procurando nas gavetas da memória a coragem que preciso para virar este mundo ao avesso. Mas são tantas as sombras e tão grandes os tentáculos do poder que acabam por roubar-me as forças e a vontade. Não desisto. E entro pela manhã que me convida…

Sucede que um destes dias, sem saber porquê, dei por mim estupidamente a ouvir um príncipe, denunciado, ali mesmo no lugar que engana as aves, pelas suas atitudes diabólicas, numa perfeita trilogia sem escrúpulos: roubo, tráfico, prostituição. E o muito mais que ele fez que não se diz… mas que a fulguração do sol um dia nos dirá, ainda que a lentidão do vento se demore. Já o sonho é célere! Depois dissipa-se… nada mais resta nos fornos da memória para conseguir o puzzle desejado, ao iniciar o combate contra estes estupores que pensam trazer o rei na barriga.

Creio ser por isso que amo sonhar acordado. O tempo alarga-se e prolonga-se nas vigas da consciência, ao alcance das sombras, sempre que uma criança chora pelo pão que não lhe damos, quando um homem estende o olhar ao emprego que lhe roubamos, quando, em algures, uma Mãe vê um filho morrer-lhe nos braços. É aqui, neste lado do sonho, onde a realidade me convoca para outros espaços, e logo desisto de ouvir o príncipe contar estórias que apenas servem para boi adormecer.

Levanto-me, não levanto, respiro enquanto digo: merda para isto tudo! E hesito no palavrão, nos contornos da palavra dita, sem perturbar o sono dos justos, sem ferir a esperança dos que ainda sonham com um novo dia, dos que, como eu, acordam quando o sonho está a ser desagradável.

Bebo o suor das mãos e esta madrugada que se cola à pele, numa obsessiva vontade de correr pela planície do pensamento num feixe luminoso onde a verdade clandestina se encolhe no lugar das aves que ensaiam o primeiro voo. Ah! mas se pudesse, por essa verdade, eu pudesse beber o mel com que os poetas adoçam as palavras proibidas,  nem este desassossego ousava agora dominar-me em tanta sede.  Sei apenas de uma vontade insurrecta de tomar o machado e cortar o tronco que dá aso às estórias banais e inúteis que o príncipe conta por aí… para iludir, para enganar…

Bebo o suar das mãos e finjo que é água. Essa água que brota da fonte mais pura de todas as fontes para saciar os aflitos e os humilhados a quem escondem a verdade e, agora sim, solto as palavras impensáveis para acudir às pragas que um capitalismo selvaticamente feroz atira cruelmente contra a humanidade: a guerra, o ódio, a poluição, a fome, a miséria, a morte!

Amo sonhar acordado e lembro-me dos dias que hão-de vir… e do sopro que tornará visível o sonho mais agradável, o rumor do sol em mergulhados desejos de viver sem as estórias banais e irremediavelmente estúpidas de um qualquer príncipe; mas viver o sonho de uma história real onde o homem vive com dignidade e em paz. E, por fim, acordar com um sorriso para dar à vida.

 

Álvaro de Oliveira  

 

 

                   

 

 

custa acreditar

mas em pleno século XXI a vereadora da educação ? da Câmara de Mirandela, mandou retirar dois quadros de nús, de uma exposição de pintura, por considerar que "eram pouco educacionais para as crianças".
 
Que direito tem esta gente de impôr os seus valores morais, bons costumes ou educacionais, aos outros? Não gosta, não vê. E mais nada.
 
Mas para terem uma ideia do que tanto a escandalizou, fica a publicidade a um dos quadros censurados.
 
Uma tristeza!